segunda-feira, 10 de maio de 2010

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Estratégias Terapêuticas Atuais dos Linfomas Indolentes


Doenças consideradas praticamente incuráveis na medicina atual, os linfomas indolentes, no entanto, dispõem hoje de um arsenal terapêutico tão amplo e eficiente que as taxas de sobrevida são cada vez mais elevadas. Estratégias terapêuticas modernas, com novas drogas que estão chegando ao mercado brasileiro, vêm contribuindo para o aumento do índice de sobrevida e também da sobrevida livre de doença de pacientes com esse tipo de linfoma. O Professor Titular de Hematologia e
Hemoterapia da Unicamp, Dr. Cármino Antonio de Souza, realizou uma palestra durante o Congresso Brasileiro de Hematologia e Hemoterapia, que aconteceu em São Paulo, SP, entre os dias 6 e 9 de agosto, no qual abordou o tema “Estratégias terapêuticas nos linfomas indolentes: doenças curáveis?” Nesta entrevista à Prática Hospitalar, o especialista comenta sobre o que foi dito em sua palestra.
Prática Hospitalar - Quais são os tipos de linfomas considerados curáveis e por que há um paradoxo relacionado a essas doenças?
Prof. Dr. Cármino Antonio de Souza - Poderíamos estratificar os linfomas em três grupos, um grupo como sendo o dos linfomas muito agressivos (os linfomas linfoblásticos e linfoma de Burkitt); outro grupo, que é o dos linfomas agressivos, cujo representante mais importante é o denominado linfoma B de grandes células, e depois um terceiro grupo, que são os chamados linfomas indolentes. Os linfomas indolentes são considerados atualmente na medicina como doenças praticamente incuráveis e aí está o paradoxo, porque tanto os linfomas muito agressivos quanto os agressivos são potencialmente curáveis. Se observarmos as curvas de sobrevida dos linfomas indolentes e dos linfomas agressivos, veremos que elas se cruzam aproximadamente dez anos depois, pois a curva dos linfomas agressivos cai constantemente e muito precocemente, nos primeiros dois anos principalmente, estabilizando-se depois, criando um platô cuja curabilidade é da ordem de 40% a 50%. Portanto, esse é o grande paradoxo dos linfomas.
Outra diferença fundamental é que os linfomas indolentes são doenças de pessoas idosas; a mediana de idade é acima de 60 anos, o que faz com que uma série de terapêuticas, que poderiam eventualmente ser utilizadas no sentido da erradicação da doença, não seja possível de ser aplicada, tendo em vista as limitações clínicas da própria idade. Por isso, inclusive, é que a maioria dos linfomas indolentes não é passível de cura; temos um percentual de 10% a 20% de linfomas indolentes localizados que podem ser curados com radioterapia e quimioterapia, mas a maioria, não. E se pegarmos as curvas de sobrevida das décadas de 70, 80 e 90, podemos observar que essas curvas são absolutamente superponíveis.
P. H. - Como é hoje a estratégia terapêutica dos linfomas indolentes? 
Dr. Cármino - Existem as estratégias terapêuticas quimioterápicas modernas ou alvo específicas. Dentre as quimioterápicas modernas, há os análogos da purina, particularmente da fludarabina, que é uma droga muito ativa para os linfomas indolentes. Entre os monoclonais, temos disponível já no mercado brasileiro o rituximab, incorporado hoje à terapêutica dos linfomas indolentes B; também o campat, que está chegando ao Brasil, é um antilinfócito total e que tem sido introduzido no Primeiro Mundo através da leucemia linfóide crônica, mas provavelmente é uma droga ativa para linfomas e leucemias da linhagem T, algo que, na minha opinião, é o ponto de maior interesse para o futuro, não só na leucemia linfóide crônica, mas principalmente nos chamados linfomas T; e ainda o zevalin, um anti-CD-20, que também deve chegar ao Brasil nos próximos meses, incorporado a uma molécula de ítrio, que é uma molécula radioativa. O zevalin é um medicamento que tem fisiopatologicamente todas as funções do anti-CD-20; entretanto, possui uma ação radioterápica na qual o anticorpo cola na parede, interfere no metabolismo e libera a radiação que irá destruir aquela célula.
P. H. - O índice de sobrevida dos linfomas indolentes com essa terapêutica é elevado?
Dr. Cármino - Certamente conseguimos melhorar bastante o índice de sobrevida; as taxas de sobrevida hoje são muito elevadas nesse grupo de linfomas, atingindo um índice superior a 12 anos. E com essa terapêutica atual conseguimos fazer com que os pacientes passem períodos muito prolongados livres de doença. A sobrevida é longa e a sobrevida livre de doença vem aumentando com as terapêuticas combinadas. O ponto crítico disso tudo é saber quando devemos tratar os nossos pacientes, porque boa parte dos doentes diagnosticados não precisa ser tratada. Eles podem ter tamanha estabilidade da doença e um tempo de duplicação tão lento que não é preciso instituir um tratamento. Obviamente que se a doença progride, aí sim devemos pensar no tratamento: se o paciente começa a perder peso, ter febre, crescimento de linfonodos, crescimento do baço, se começa a leucemizar ou se a leucemia que ele já tinha duplica rapidamente.
Existem vários critérios definidos pelo National Cancer Institute, aceitos no mundo todo, que estabelece o momento certo de se instituir um tratamento, e, nesse momento, creio que deveríamos administrar terapêuticas eficazes e não as terapêuticas muito paliativas, porque poderemos prolongar a vida e dar qualidade de vida, deixando o paciente livre da doença pelo menos por um período. E para aqueles pacientes mais jovens, poderíamos, inclusive, considerar a possibilidade de fazer terapia de alta dose, que são os transplantes autólogos, utilizando todo o arsenal disponível, como a quimioterapia, anticorpos monoclonais, etc. Hoje, o importante na medicina é que utilizemos todo o arsenal antitumoral de que dispomos e também é fundamental que tenhamos protocolos com os quais possamos instituir a melhor terapêutica para cada paciente. São situações de primeira linha e de salvamento analisadas de maneira diferenciada, ou seja, os doentes que precisam se tratar devem fazê-lo com o que existe de melhor. Mas só aqueles que realmente precisam se tratar.
P. H. - E por que o tratamento não deve ser indicado para todos os pacientes com a doença?  
Dr. Cármino - Não adianta tratarmos todo mundo no começo porque podemos correr um outro risco, que é o da toxicidade e dos problemas terapêuticos, os quais não são desprezíveis. Em medicina, devemos medir a resposta e os efeitos adversos, essa é uma balança que o médico deve pesar sempre, conhecer o efeito e o paraefeito; se o paraefeito em um determinado momento for mais provável do que os efeitos benéficos, devemos aguardar e esperar o momento em que essa balança se inverta. E nos linfomas indolentes essa balança é muito delicada, é preciso que o médico tenha muita sensibilidade para saber reconhecer a hora certa de tratar. Imagine como é difícil para um doente que tem um determinado tumor, seja ele qual for, e o médico diz que ele não precisa se tratar. A tendência desse paciente é procurar outros médicos e, eventualmente, algum especialista dirá que ele precisa de tratamento. Dessa forma, o profissional precisa saber o timing exato e utilizar as melhores drogas possíveis, que são cada vez mais eficazes, isto é, para aqueles que precisam de tratamento, temos realmente hoje uma terapêutica eficiente.

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