segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

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Se médicos pensam que são deuses, alguns oncologistas têm certeza

A Medicina já foi considerada, assim como o Magistério, um tipo de sacerdócio. Mas no mundo mercantilizado de hoje esta máxima já não tem sentido. O médico como todo mundo precisa sobreviver e pagar suas contas, comer, morar dignamente e ter, na sua profissão, uma margem que lhe permita progredir e melhorar de vida. O lucro - no caso do médico, o honorário - é o anabolizante do desenvolvimento numa sociedade capitalista, como a nossa. O grande problema é, como sempre, a ganância que leva muitos médicos a uma preocupação demasiada com o pecuniário em prejuízo da saúde do paciente. Hipócrates, com seu juramento ético, se tivesse vivido em nossos dias seria talvez considerado um ingênuo, ou um subversivo.
Encontrei neste sábado um velho amigo que não via há cerca de 6 anos. Conversa vai, conversa vem, me contou que seu irmão mais novo, de 54 anos, foi submetido há cerca de 6 meses a uma prostatectomia radical (retirada de toda a próstata) devido a um tumor maligno. Como conseqüência imediata, ele perdeu a capacidade de ereção e agora o câncer começa a se espalhar em processo de metástase.
Tanto quanto sei, seu irmão sempre levou uma vida saudável, sem vícios e, como a maioria dos homens conscientes nesta faixa etária, consultava o urologista anualmente, submetendo-se aos exames de caráter preventivo, medição da quantidade de antígeno prostático, PSA  (componente do sêmen), ultrassom transretal e toque retal.
Ele me disse que o tumor foi diagnosticado precocemente, pois, segundo os médicos, surgiu exatamente no intervalo anual entre um exame e outro e então decidiram manter o paciente, por cerca de dois longos anos apenas em observação, medindo regularmente os índices de PSA, até finalmente chegarem à conclusão de fazer a cirurgia radical.
Um dos métodos mais revolucionários na luta contra esta doença é a Braquiterapia de Próstata (do grego (brachys = curto; terapia = tratamento), técnica que chegou ao Brasil na década de 1990 e envolve a participação de vários especialistas, numa operação multidisciplinar com resultados comprovadamente muito eficazes. Seu custo é alto e ainda não tem cobertura pelo Sistema Único de Saúde (SUS), mas a justiça brasileira se tem pronunciado favoravelmente na grande maioria das demandas deste tipo.
Na maioria dos casos, a Braquiterapia é capaz de evitar a retirada da próstata. Consiste na introdução de “sementes radioativas” de Iodo-125 no interior da próstata, próximas ao tumor. O procedimento é feito pelo períneo, com o uso de finas agulhas, guiadas por uma ecografia transretal. As “sementes” são depositadas dentro da glândula e lá permanecem definitivamente liberando a dose de radiação necessária para conter o tumor. A aplicação é um procedimento muito pouco invasivo, não requer a internação do paciente, que pode ser admitido pela manhã e voltar para casa à tarde.
Pessoalmente, não tenho tido experiências muito boas com os médicos amazonenses, e freqüentemente ouço relatos escabrosos de amigos, parentes e colegas de trabalho insatisfeitos. Em 2002, após semanas de esforços repetitivos que me acarretaram uma séria inflamação no nervo sinovial e comprometeram temporariamente os movimentos da minha mão esquerda e dos dedos, tive um cruel e totalmente equivocado diagnostico de – pasmem! - hanseníase, corroborado por mais seis dermatologistas de Manaus (inclusive o presidente da Cooperativa dos Dermatologistas na época), após exames superficiais e pouco determinativos para um diagnóstico diferencial, e sem que nenhum desses profissionais, em nenhum momento, me tivesse pedido para tirar a camisa.
O curso superior de medicina foi implantado aqui com a colaboração de médicos de outros estados, apenas no ano de 1974, e ainda não transcorreu o tempo de exercício e de experiência acumulada para o desenvolvimento dialético de um, digamos, caldo substancial e consistente de cultura médica prática. Some-se a esse quadro todo um modelo equivocado de ensino superior que não estimula o desenvolvimento da cultura médica no profissional que, assim, poderia se atualizar e pesquisar em outras línguas, como em inglês, por exemplo. Na grande maioria, eles se limitam a utilizar e a reproduzir os conhecimentos muitas vezes mal adquiridos e já superados nos tempos de aprendizado. Há honrosas exceções, é claro, daqueles que buscam por seus próprios meios a fuga da mediocridade através da atualização, do aprimoramento e da especialização.
Até o ano passado, imaginem, em conversas com médicos aqui de Manaus, alguns sustentavam teimosamente que o Pet Scan não tinha aplicação na oncologia. Logo em seguida, em junho, a ANS incluiria sua aplicação no rol de procedimentos obrigatórios por parte dos Planos de Saúde nos casos de câncer de pulmão e de linfoma. Poderia me estender muito sobre isso tudo, mas prefiro ficar por aqui.
Apesar das características do caso do irmão desse meu amigo indicarem o contrário, espero sinceramente que este não tenha sido mais um irreparável e lamentável equívoco de timming e na escolha de uma terapia mais moderna e mais adequada, pois a braquiterapia, após duas décadas, não é algo propriamente novo em nosso país.

Post relacionado: Braquiterapia no tratamento do câncer de próstata – um depoimento, uma opção

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

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Uma viagem insólita

Depois de um atraso de uma hora no vôo e de uma noite indormida, chegamos a uma Fortaleza nublada às 06h do dia 20 de dezembro, segunda-feira, sob inacreditáveis 16 graus de temperatura, segundo informação do comandante do avião. Se a temperatura continuasse a cair, acabaria nevando no litoral cearense, em pleno nordeste e em plena alta temporada de verão. Marcos, meu cunhado, estava nos aguardando e seguimos para seu apartamento, no bairro de Fátima, onde estávamos sendo esperados pela família dele. Muita alegria no reencontro.
No dia seguinte a Rodoviária de Fortaleza formigava de passageiros. Nosso ônibus sairia ao meio-dia. O movimento era tão grande que a empresa Princesa dos Inhamuns teve que colocar oito ônibus extras na linha que cobre os 354 km até Crateús.
Já embarcados, Sandrinha se acomodando pra puxar uma soneca durante a viagem de seis horas, eu ainda acomodava a bagagem me preparando pra uma viagem monótona quando ouvi uma voz feminina gritar no italiano mais macarroni que se possa imaginar:
- ... Esigo rispetto, mama mia!! Io sono una turista, una turista in Brasile! Questa è mia figlia, mia figlia, non posso lasciarla qui, porca miséria !!
Olhei pela janela e subitamente me vi transportado para uma cena do filme 8½, de 1963, do diretor italiano Federico Fellini: uma mulher, de pé na entrada do ônibus, parecidíssima com a grotesca, feia e gorda personagem Saraghina, com uma criança no colo, chorando, dirigia-se aos berros ao motorista que recolhia as passagens e argumentava serenamente:
- Mas, minha senhora, a lei diz que tem que ter o documento pra poder viajar com menores...
- Legge?! Io non capisco questa legge, non capisco! È diversa in Italia, porca miseria!!
- Por favor, senhora, entenda, eu tô só tentando fazer meu trabalho, desculpe...
- Sei un stupido, merda, un cretino! Io non capisco, non capisco!!
Depois de mais alguns minutos de insultos aos berros, a paciência do pobre homem se esgotou:
- No capisca é o cacete! não me insulta não e deixe de fulerage, mulé! E fala direito que eu te conheço aqui do Tauá, pô! Não vou me prejudicar por sua causa. Só vai embarcar com a criança porque não tem Juiz de Menor aqui, hoje, e eu tenho coração.
- Andiamo, andiamo tutti quanti! Aspeta la vendetta, cretino!!

Sob os olhares discretos de reprovação dos outros passageiros, atônitos com a situação, a mulher embarcou berrando com a criança chorando no colo, seguida por uma senhora com ar consternado, que depois se descobriu ser sua pobre mãe e, graças ao bom Deus, foi se acomodar lá atrás, bem longe de onde eu estava.
Deste momento em diante a mulher fez de tudo que pôde para que a viagem transcorresse num clima do mais absoluto constrangimento e de revolta contida, pelos demais passageiros, pois não ousávamos intervir no seu modo grosseiro de tratar a filha, ora em português (péssimo), ora em italiano (ridículo). Estressada com os berros da megera, a criança não parava de chorar, tadinha, aturdida com o bizarro festival de arrogância, prepotência e grosserias.
Exasperado com a situação, cheguei até a me imaginar esganando aquele pescoço gordo. Houve ainda um momento em que se ouviu a senhora sua mãe, já desesperada e morta de vergonha, gritar: - Para de berrar com a criança, sua louca! E para de falar esse italiano horrível!
Viajo com freqüência de ônibus em meus deslocamentos a trabalho e nunca tinha visto algo sequer parecido. Lembro-me de que em uma viagem de Belo Horizonte a Diamantina, ao embarcar no ônibus, já lotado, logo de cara deixei cair meu frasco de CKbe, que quebrou e soltei o maior palavrão. Mas logo em seguida corrigi: - ... mas em compensação vai ser a viagem mais cheirosa que já se fez no trecho até hoje! Todos riram e tudo acabou bem.
As capitais e as pequenas cidades turísticas do Nordeste brasileiro vêm sendo invadidas, há décadas, por levas e levas de turistas estrangeiros, principalmente europeus, onde muitos deles, encantados com o paraíso tropical, se estabelecem como proprietários de pousadas, cafés, pizzarias e restaurantes. Muitos acabam casando por conveniência, gosto duvidoso, ou, ainda, descobrem-se casados depois de despertarem da letargia de longos pileques com brasileiras eventualmente, digamos, exóticas, que acabam absorvendo - por meio de algum  tipo de osmose psicológica -, como neste caso, o que há de pior na cultura nacional do maridão. 

De qualqur forma, princípios básicos de educação doméstica, ética e moral são atributos que não têm uma relação direta com a condição sócioeconômica, eles nascem com a gente e os desenvolvemos no processo da educação e  da instrução, que constroem a cultura de cada um.
Felizmente nossa Saraghina ítalo-nordestina desceu do ônibus cerca de duas horas antes de chegarmos ao nosso destino, para alívio geral, e eu pude travar amizade com a pequena e adorável Ana Luiza, a quem eu, brincando, tratava por “mulé”, como é costume na região e, pra minha surpresa, ela encarava isso com a maior naturalidade, com a sabedoria de seus 6, 7 anos de idade.
Em Crateús, “seu” Antônio e Dona Djanira nos aguardavam no lugar de sempre.
Nesta semana que está terminando fiz os exames de controle trimestrais, me consultei com o hematologista e tomei o Mabthera na última quarta-feira. 3ª dose. Como não pudemos determinar se houve alterações nas dimensões do tumor, Dr. Nelson me deu uma requisição para fazer o Pet scan, aquele exame que pode determinar se existe atividade tumoral por emissão de pósitrons, do qual já falamos em posts anteriores.
Procurei pessoalmente aqui em Manaus informações junto ao meu plano de saúde, o Geap, e saí de lá tão esclarecido quanto antes. Dois laboratórios da cidade se uniram e passaram a oferecer o exame apenas para particulares.
Depois de várias ligações interurbanas mal orientadas pelas atendentes do 0800 da Geap, consegui que me dessem o número de uma Ordem de Serviço pela qual me deram um prazo de cinco dias úteis para me ligarem informando onde existe instituição credenciada onde eu possa fazer o tal exame, provavelmente em São Paulo.
Estou aguardando. O prazo encerra na próxima quarta-feira

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

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Férias bem diferentes e um retorno meio preguiçoso

Férias é sair da rotina. E estas foram as mais movimentadas que já tive.
Tem gente que prefere, principalmente os mais jovens e cheios de energia, quebrar a rotina do dia-a-dia de forma mais agitada: praias ensolaradas diariamente, esportes aquáticos, longos passeios de buggy nas dunas com muita adrenalina, baladas, restaurantes da moda, compras em “novos” shoppings e toda a gama quase infinita de atividades lúdicas que as praias e as capitais do nordeste brasileiro oferecem. Chega-se até a acordar mais cedo pra se ter mais tempo disponível.
Para outros, como eu, que moro numa estufa com temperatura anual variando entre os 36 e os 40 graus e já passei dos 50, pra variar basta uma temporada num lugar friozinho, melhor ainda com uma bela paisagem serrana, cheiro de mato e boa música pairando no ar, um bom livro. Cozinhar algo especial, se deslumbrar com o espetáculo do sol se pondo em outra latitude, acordar e ir dormir mais tarde, quiçá uma bebidinha de leve em boa companhia. Assim transcorreram minhas férias do ano passado, em Ouro Preto, com Sandrinha: sossego, sombra e vinho tinto seco.
Desta vez as coisas foram bem diferentes, mais agitadas, mas não menos agradáveis. Talvez um pouco daquele cansaço prazeroso ao qual alude Sêneca quando indaga: “Não existem igualmente prazeres corporais que se reforçam com uma sensação dolorosa, como quando uma pessoa se vira sobre o lado que ainda não está fatigado e se agita sem cessar procurando uma posição melhor?”. A fuga da rotina, da mesmice. A mudança de lugar. O prazer da variação? Em um dos trechos que fizemos, ainda no microônibus que nos conduzia, o Guia já oferecia novos pacotes de passeios e as pessoas se apressavam em reservar seus lugares, sem se darem conta de que mal teriam tempo de conhecerem e desfrutarem do paraíso de Jericoacoara, nosso destino inicial.
Desta vez, além do deslocamento aéreo Manaus-Fortaleza-Manaus, rodamos dezenas de horas por quase 3.000 km pelas estradas do nordeste em deslocamentos a Crateús/CE, Natal/RN, Praia da Pipa/RN, Genipabu/RN, Jericoacoara/CE e Quixadá/CE.
Fiquei vários dias, indolentemente, tomando água de côco, picolé de cajá e de mangaba, comendo camarão e lagosta nas praias da Ponta Negra e da Pipa, na praia do Futuro e na praia de Jericoacoara, enquanto esperava Sandrinha adquirir “aquele” tom dourado na pele.
Em Crateús, cortei o cabelo lá no Deusin, matei a saudade da deliciosa paçoca de dona Djanira, minha sogra, dos papos com “seu” Antônio, minha sede com cajuína e me emocionei com nosso singelo Natal em família. Em Natal, fizemos passeios inesquecíveis e conhecemos os melhores restaurantes ao lado de Hugo e Rejane, nossos cúmplices potiguares, companheiros de aventuras no R. G. do Norte, visitei o maior cajueiro do mundo e coloquei um palmo de língua pra fora escalando a duna de Genipabu pra apreciar o pôr-do-sol lá de cima – lindo!
Ah! – as compras! – Ia esquecendo das compras! Tivemos que comprar mais duas mochilas grandes (uma delas assinada pelo talentoso artesão Expedito Seleiro) e uma valise pra acomodar o estrago em nossas economias. Fomos com dois volumes e voltamos com oito! Uma orgia: telas da incrível arte naif nordestina (inclusive um Militão dos Santos, um Fé Córdula e dois Edilson Araújo), algum artesanato, um caleidoscópio, alguma roupa e presentes. E ainda havia os queijos, a nata e os maravilhosos potes de doces caseiros de dona Djanira. Até uma linda rede em algodão em cor cultivada, natural! Mas, milagrosamente, não fizemos dívidas.
Passamos 27 dias fora de casa. Depois de uns 20 dias curtindo e perambulando começou a bater, como sempre, um certo banzo. Lembram do filme “E.T. - O extraterrestre”, quando o pequeno alienígena apontava com aquele dedão feio para as estrelas e dizia “caaaasa, caaaasa” ? Pois é, a gente começa a lembrar da nossa cama, do nosso quarto, do nosso canto, a saudade de tudo começa a se insinuar de vagarinho e a gente começa a imaginar como ficarão as telas na parede, onde vai colocar isso e aquilo, e também quanto vai pagar de excesso de bagagem. Aí começa uma espécie de retorno mental: a gente fica dividido entre a saudade dos novos lugares que conheceu, das pessoas queridas que vai deixar e a saudade dos que esperam o nosso regresso.

Mas no final, como no filme do E.T., tudo contribuiu pra dar tudo certo e a vidinha retoma seu curso.
Muito feliz por voltar ao nosso convívio aqui no blog. Aos poucos, aqui e ali, irei postando algumas das melhores impressões que tive nestas férias e algumas fotos. Agradeço a todos os amigos e amigas que deixaram mensagens estimulantes nos comentários. Carpe Diem.