“A gente começou estudando a saliva de carrapato em busca de anticoagulantes”, explica Ana Marisa. “Como o carrapato é um hematófago, que suga sangue para viver, ele deve ter algo na saliva que impeça a coagulação – e era isso que estávamos buscando”, completa.
A equipe do Laboratório de Bioquímica do Instituto Butantan, em São Paulo, responsável pela descoberta foi coordenada pela Dra. Ana Marisa Chudzinski Tavassi. Mas, por incrível que pareça, encontrar um meio de eliminar tumores não era o foco inicial das pesquisas do grupo.
Como era de se imaginar, coletar a saliva de carrapato não é tarefa fácil. Depois de testes iniciais com a espécie Amblyomma cajennense, a pesquisadora decidiu fazer uma proteína recombinante a partir dos genes encontrados nas glândulas salivares do animal. “Baseado na literatura já conhecida, escolhemos uma sequência que poderia inibir um fator de coagulação”, diz.
Em outras palavras, Ana Marisa e sua equipe escolheram um gene e o reproduziram para que, em uma bactéria, ele passasse a expressar e proteína recombinante desejada. Ao estudar o que havia criado, eles não só constataram que a proteína realmente era capaz de inibir a coagulação, como descobriram referências de que ela interferia na proliferação celular.
O próximo passo foi testar essa proteína em células normais e células tumorais, e foi aí que as descobertas realmente surpreenderam os pesquisadores. “Nas células normais a proteína não induziu nada, em compensação, nas células tumorais, ela causou uma atividade tóxica que levava à morte”, diz a cientista.
Partindo para testes mais concretos, a equipe tratou camundongos com melanoma com a proteína desenvolvida. Após 42 dias, os tumores de pele foram completamente eliminados e as cobaias permaneceram sadias, vivendo normalmente no laboratório após o tratamento.
“Vimos que essa proteína tem um alvo celular: ela induz a célula a uma morte programada, pois tem uma série de sinalizações que inibem a transcrição para o núcleo”, explica Ana Marisa. Incapazes de se reproduzir ou realizar suas funções básicas, as células cancerígenas morrem.
Apesar das grandes implicações científicas, o estudo agora se encontra em um impasse. O que a equipe fez até agora se chama prova de conceito, e resume basicamente todos os testes possíveis realizados em laboratório.
No entanto, para descobrir se o tratamento funciona em humanos, é necessário passar por uma série de experimentações chamadas análises pré clinicas. “Aqui no Brasil, por uma questão histórica, a indústria farmacêutica não investem nesse tipo de tecnologia por um motivo simples: insegurança jurídica”, diz.
A pesquisadora explica que as descobertas feitas nas instituições públicas são amarradas por lei, o que torna difícil a relação entre público e privado no país. “Estamos trabalhando nisso há seis anos. Já teríamos tempo para dizer se essa técnica funciona ou não em humanos, pois há dinheiro e gente interessada. Não fizemos por conta da questão jurídica”, diz.
“O Brasil teria que permitir, inicialmente, que alguém que tem dinheiro lá fora invista. Assim, não só a pesquisa seria beneficiada, como o país aprenderia para poder criar a tecnologia aqui”, conclui.
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