domingo, 28 de agosto de 2011

2

Livro: Por Um Fio – Drauzio Varella

“A Morte é a ausência definitiva. Tomei consciência desse fato aos quatro anos de idade, dois meses depois de ter ficado órfão."
É assim que Dráuzio começa seu livro. Ele não é volumoso (88 pg) e conta uma série de histórias reais de seus pacientes terminais ao longo da sua carreira. E o ponto comum entre elas é a constatação de que sempre, por mais que o paciente dissesse o contrário, jamais desistia de viver e lutar contra a sua doença, pela vida.
“…nada mostra com tanta clareza a estatura de um homem como a sua atitude perante a morte..” Michel de Motaigne, 1533 a 1592

Escrito na primeira pessoa, com feeling autobiográfico e um profissionalismo sensível, Por um Fio nos traz de volta o narrador meticuloso de Estação Carandiru. O médico experiente que, através da narrativa de fatos reais observados do ponto de vista privilegiado de seu cotidiano profissional - e filtrada por sua sensibilidade elevada diante da condição humana -, nos leva a refletir sobre o impacto da perspectiva da morte sobre o comportamento de seres humanos, de pacientes de doenças graves e seus familiares.

Drauzio especializou-se em oncologia numa época em que o câncer era visto como uma maldição bíblica, um horror cujo nome sequer da doença se pronunciava – era “aquela doença”, ou “CA”. Ele declara em seu livro: “... na faculdade, descobri que tratar de doentes graves era o que mais me interessava na medicina. Por essa razão, passei os últimos trinta anos envolvido com pessoas portadoras de câncer ou de AIDS, um convívio que moldou minha forma de pensar e de entender a existência humana.” E nunca abandonou esse convívio.

Em Por um Fio, confrontamo-nos com histórias reais, vividas por personagens de carne e osso, assim como eu e você, em dramas que expõem como que cirurgicamente a crueza de questões delicadas e filosóficas sobre a vida e a morte, levando-nos à reflexão sobre o que verdadeiramente importa na existência e nas relações que estabelecemos com outros seres humanos, sobre o assessório e o essencial, sobre a permanência e a imanência.

Somos levados a testemunhar (e no meu caso muitas relações de empatia se estabeleceram), de um lado, a reação dos que se flagram doentes, que pode ir da incredulidade à revolta, do desespero ao silêncio e, por fim, à conformação; do outro, a reação dos parentes e amigos, que pode ir da generosidade e dedicação incondicional até a mais autêntica mesquinharia, da solidariedade ao abandono e ao silêncio das palavras de conforto.

Leitura para se indicar a alguém pretensamente condenado à morte por um mal sem cura? Não. É antes um livro que fala da infinidade de circunstâncias que a vida pode apresentar com seus mil truques, dramas, tantas lutas e batalhas. Tantas histórias do intrincado universo hermético único que é o humano ser com suas relações e, eventualmente, sua luta por um fio de vida, e onde Deus não é culpado de nada.

Ilustração do Googleimages.
Baixe o livro aqui  em PDF

2 Comentários:

Anitha disse...

Meu querido amigo Daniel, é impressionante como visitar o seu blog me enriquece!
Surpreendo-me todas as vezes com a sua sensibilidade à flor da pele, sua inteligência para questões que têm real importância, sua visão apurada para indicar caminhos...sutilmente, para abrir outros...
Saio diferente daqui, todas as vezes que aqui venho. É assim! Você sempre acrescenta!
Não tem jeito, levo comigo tudo o que você oferece tão generosamente, e, às vezes, empresto, contando com o seu desprendimento.
Hoje, enviarei esse seu texto para todos os meus amigos e conhecidos.
Por tudo, obrigada!
Beijos

Paes Leme disse...

Olá, Daniel! Você me fez lembrar vivamente de minha leitura deste livro, quando ele foi lançado, em 2004, tal a fidelidade com que você o retrata, e ao seu autor, este médico dedicado.
Recomendo a todos os seus leitores a leitura do livro. Mas preparem o lenço. Impossível não choram em algumas passagens, mesmo descritas sem a menor pieguice ou sentimentalismo. Grande livro
E seu post faz justiça a ele. Grande abraço.