quinta-feira, 5 de novembro de 2009

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Tristes Trópicos


Faleceu nesta terça-feira, 3, sábado, aos 100 anos de idade, um dos intelectuais mais importantes do século passado, pelas suas idéias, pelo seu trabalho, mas, sobretudo, pela imensa influência intelectual que exerceu sobre gerações de investigadores e sobre o pensamento no século 20 em geral, fundador da Antropologia Estruturalista - Claude Lévi-Strauss, o homem que Jamais aceitou a visão histórica da civilização ocidental como única ou preponderante.

Nascido em Bruxelas em 1908 e criado em Paris, filho de um artista e membro de uma família judia francesa intelectual, Lévi-Strauss lançou as bases da antropologia moderna, deixando também sua marca decisiva na filosofia, sociologia, história e teoria da literatura, etnologia, lingüística, epistemologia, estética e mitologia. E ainda foi fotógrafo amador, dos bons.

Inicialmente cursou Direito e Filosofia, mas descobriu na etnologia sua verdadeira paixão. No Brasil, lecionou sociologia de 1935 a 1939 na recém-fundada Universidade de São Paulo, e começou a fazer várias incursões pelo Brasil central. Jamais aceitou a tacanha visão histórica da civilização ocidental como privilegiada e única, enfatizando que a mente selvagem é igual à civilizada, partindo de sua crença em que as características humanas são as mesmas em toda parte.

De sua vasta obra li apenas uma resenha de Tristes Tropiques, talvez o mais importante volume de sua impressionante coleção de 24 livros publicados, e, já meio tardiamente, no início dos anos 2000, li Regarder, écouter, lire (Olhar, escutar, ler, 1993), Saudades do Brasil (1994) e Le Père Noël supplicié (Papai Noel supliciado, 1994).

 Acho que não se precisa ser entendido na matéria para compreender a importância da obra de Levi-Strauss. Andei lendo alguns textos e entrevistas de supostos estudiosos por ocasião da notícia de sua morte e concordo com o blogueiro Reinaldo Azevedo, hospedado  no site da  revista Veja, quando diz que “submeteram Lévi-Strauss à patifaria multiculturalista” quando afirmam que o intelectual teria demonstrado que “não existe uma cultura superior a outra” ou que “todas as culturas são equivalentes”. Na verdade ele não afirma nada disso. O seu conceito estruturalista sustenta justamente que as diferenças e a diversificação cultural existem, sim, mas têm origem nos mesmos mecanismos de organização social, de reprodução de costumes, de aperfeiçoamento de processos, ou seja, que existe um padrão biológico e comportamental que norteia o desenvolvimento cultural e social, independente de raças e que é inerente ao gênero humano.

Partiu de seus estudos de lingüística para expor à ciência contemporânea a teoria de como a mente humana trabalha, onde e como o indivíduo passa do estado natural ao cultural enquanto usa a linguagem, aprende a cozinhar, se sofistica no ato do acasalamento, aprende a produzir objetos, tenta imitar a natureza, enfim, quando começa a utilizar e a desenvolver todo o arsenal de aptidões físicas, mentais, intelectuais, psíquicas de que está naturalmente dotado, num processo psicossomático livre e na maioria das vezes inconsciente de autoconhecimento e desenvolvimento. Nessa transição, nesse movimento dialético constante, o homem obedece a leis que ele não criou: elas pertencem a um mecanismo do cérebro. Segundo o excelente ensaio de Eduardo Viveiros de Castro sobre O pensamento Selvagem, Levi-Strauss escreveu que a língua é uma razão que tem suas razões - e estas são desconhecidas pelo ser humano.

Vem então agora à minha memória a excelente aventura da ficção científica rodada por Wolfgang Petersen, 1985, onde dois guerreiros envolvidos em uma selvagem guerra futurística entre a Terra e o planeta Dracon são abatidos e fazem aterrissagens forçadas em um planeta desolado e inóspito. A princípio, o humano (Dennis Quaid) e seu inimigo, um réptil  humanóide alienígena (Louis Gosset, Jr.), estão determinados a se destruir mutuamente. Mas após terem que enfrentar as mesmas situações difíceis para sobreviver - e um ao outro - os dois, a partir do desenvolvimento de uma linguagem comum, e só a partir dela, estabelecem a comunicação que os fazem perceber que a superação do ódio seria a única maneira de se manterem vivos.

Em 1955 publicou Tristes Trópicos - um registro das várias expedições que fez ao Brasil central, onde passou breves períodos estudando a organização social de algumas etnias como os Bororós, os Nambikwaras e os Tupi-Kawahib. No livro, que lhe traria a fama e que acabou se tornando um grande tratado crítico sobre o selvagem processo civilizatório, a dizimação indígena nesse contexto sociocultural, a concepção de progresso e uma análise comparativa das religiões do novo e do velho mundo, ele confessa como sua vocação de antropólogo teria nascido durante estas viagens ao interior do Brasil.

Levi-Strauss percebeu desde muito cedo que organizar a memória coletiva, trocar a história por um instrumento de governo encarregado de legitimar quem manda e proporcionar álibis para suas más ações é uma tentação congênita a todo o poder. No passado inúmeras civilizações puseram isso em prática e, se voltarmos os olhos para o que Hugo Chaves consuma, por exemplo, atualmente na Venezuela, veremos que a prática é muito atual, apesar de retrógada.

Após retornar à França, em 1942, onde freqüentou o mesmo meio que o existencialista Jean-Paul Sartre, mudou-se para os Estados Unidos como professor visitante na New School for Social Research, de Nova York, antes de uma breve passagem pela embaixada francesa em Washington como adido cultural.

Em 2005, aos 97 anos, quando recebeu o 17º Prêmio Internacional Catalunha, na Espanha, declarou:"Fico emocionado, porque estou na idade em que não se recebem nem se dão prêmios, pois estou muito velho para fazer parte de um corpo de jurados. Meu único desejo é um pouco mais de respeito para o mundo, que começou sem o ser humano e vai terminar sem ele - isso é algo que sempre deveríamos ter presente".

Foi, sobretudo, um homem que sempre recusou os holofotes da fama. Atraído pelo budismo nos últimos anos de vida, recusou-se a comparecer a todas as homenagens que lhe prestaram em Novembro de 20008, por ocasião do seu centenário. Não via o ser humano como um habitante privilegiado do universo, mas como uma espécie passageira que deixará apenas alguns traços de sua existência quando estiver extinta.

Manteve-se cético até o fim: "Penso no presente e neste mundo: não é um mundo que ame".

Mais informação sobre a biografia e a obra de Levi-Strauss aqui
Baixe o livro A Oleira Ciumenta, de Levi-Strauss aqui

5 Comentários:

Alfredo Moura Palha disse...

Levi-Strauss estudou filosofia ainda na França com Geordes Dumas, que havia sido contratado para montar o Departamento de Humanas da USP. Foi assim que ele veio parar no Brasil com mais duas dezenas de jovens e idealistas pesquisadores.

Paes Leme (BSB) disse...

Levi-Strauss foi um desses raros cidadãos
planetários que tinha verdadeiramente uma visão cosmopolita. Sua perene consciência do mundo que nos cerca parece nunca tê-lo abandonado ao longo de toda sua vida. Só não sabia de sua conversão ao budismo, em idade tão avançada, e não acho que isso conflite com sua visão de humanista, muito pelo contrário, nem com sua aproximação do existencialista Jean-Paul Sartre.
Infelizmente, sempre aparecem abutres quando a carne ainda está fresca. Esses "ëstudiosos" aos quais se refere nunca tardam a liberar suas flatulências fedidas resultantes da péssima digestão da leitura apressada e preconceituosa. Um abraço, Daniel. Fique bom logo e continue postando.

daniel disse...

Muito obrigado, Alfredo.
Tem sido um prazer pra mim a sua participação aqui no blog, e um estímulo também :=)

daniel disse...

Olá, Alfredo!
Tenho acompanhado com interesse sua participação aqui no blog. São pessoas como vc, que não se furtam a um engajamento mínimo às causas sociais, que alimentam e estimulam pra se seguir adiante.Um forte abraço e continue mandando bem :=}
P.S. Vc é de Belém ?

daniel disse...

Olá, Paes Leme!
Muito estimulante contar com a sua colaboração aqui no blog. Sinta-se em casa para continuar comentando. Abraço :=)