segunda-feira, 13 de junho de 2011

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No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...


O poeta português Fernando Pessoa não viveu o suficiente para sentir-se eventualmente abandonado e sem futuro na sua velhice, como o protagonista desse tocante poema de sua autoria, um dos meus preferidos. Ele morreu com apenas 47 anos, mas legou ao mundo um acervo literário de valor inestimável em língua portuguesa. Sua sensibilidade, sua com-paixão, seu altruísmo eram tamanhos, que ele conseguia atravessar com naturalidade – e certamente não sem algum sofrimento empático também, o universo abismal que frequentemente separa uma individualidade humana da outra, para penetrar nas profundezas e desvãos mais inescrutáveis da alma, seja na pele de um ancião ou na de uma mocinha, para assim poder vivenciar toda a gama de sentimentos legítimos que brotam verdadeiros de sua poesia transcendental, ao mesmo tempo concreta e inquiridora, crua e refinada. São muitos os dualismos.

Bem, hoje, se estivesse vivo, seria seu aniversário. Aliás, um de seus aniversários, já que sua pessoalidade se desdobrava nos chamados heterônimos - através dos quais desenvolveu uma reflexão profunda entre os valores da existência, da verdade e da identidade - que eram facetas da personalidade central, com nome e sobrenome próprios, data de nascimento e até de falecimento.

Além de termos sido dados à luz quase no mesmo dia e hora, (eu 11, ele 13 de junho; eu 14h, ele 15h), outro traço de identidade entre nós é a paixão pelo Conhecimento Iniciático das Tradições Religiosas Esotéricas. Com a postagem do poema “Aniversário” - que me desculpe Camões, minhas homenagens ao maior poeta da língua portuguesa.

Aniversário


                                                            Fernando Pessoa

                                                                                 (Álvaro de Campos)


No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,

Eu era feliz e ninguém estava morto.

Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos,

E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer.


No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,

Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma,

De ser inteligente para entre a família,

E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim.

Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças.

Quando vim a olhar para a vida, perdera o sentido da vida.


Sim, o que fui de suposto a mim-mesmo,

O que fui de coração e parentesco.

O que fui de serões de meia-província,

O que fui de amarem-me e eu ser menino,

O que fui – ai, meu Deus!, o que só hoje sei que fui...

A que distância!...

(Nem o acho...)

O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!


O que eu sou hoje é como a umidade no corredor do fim da casa,

Pondo grelado nas paredes...

O que eu sou hoje (e a casa dos que me amaram treme através das minhas lágrimas),

O que eu sou hoje é terem vendido a casa,

É terem morrido todos,

É estar eu sobrevivente a mim-mesmo como um fósforo frio...


No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...

Que meu amor, como uma pessoa, esse tempo!

Desejo físico da alma de se encontrar ali outra vez,

Por uma viagem metafísica e carnal,

Com uma dualidade de eu para mim...

Comer o passado como pão de fome, sem tempo de manteiga nos dentes!


Vejo tudo outra vez com uma nitidez que me cega para o que há aqui...

A mesa posta com mais lugares, com melhores desenhos na loiça,

com mais copos,

O aparador com muitas coisas – doces, frutas o resto na sombra debaixo do alçado –,

As tias velhas, os primos diferentes, e tudo era por minha causa,

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...


Pára, meu coração!

Não penses! Deixa o pensar na cabeça!

Ó meu Deus, meu Deus, meu Deus!

Hoje já não faço anos.

Duro.

Somam-se-me dias.

Serei velho quando o for.

Mais nada.

Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira!...


O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!...


15/10/1929

(Os versos acima, escritos com o heterônimo de Álvaro de Campos, foram extraídos do livro "Fernando Pessoa - Obra Poética", Cia. José Aguilar Editora - Rio de Janeiro, 1972, pág. 379.)

3 Comentários:

Anitha disse...

Meu querido, começarei, é claro, lhe dando os meus parabéns atrasados!
É! Que bom tê-lo entre nós! Você uma pessoa ímpar, e, -importante - do bem, que faz o mundo ficar melhor e mais bonito com a sua sensibilidade, inteligência e sua forma peculiar de ver e absorver a vida!
Desejo-lhe muitos aniversários, arte na veia, coração palpitante e aquecido pelos benquereres, e que eles sejam de mão dupla, sentido e significado no seu caminhar! Que seus olhos continuem encantados e que você continue nos encantando! Que você tenha surpresas de fazer a alma cantar, risos e alegria, boas descobertas! Que você possa ir ao encontro de...de peito aberto, ter paz de espírito, saúde e bem estar, qualidade de vida, um amor de amor, belos dias, juízo, mas só o suficiente para lhe manter com os pés no chão, sonhos a realizar, projetos realizados e muita, muita felicidade!
E além de tudo que você continue lutando bravamente pela vida e pelo bem viver!
Abraço afetuoso, meu amigo!

daniel disse...

Anitha, minha querida, suas belas, generosas e - espero que - alvissareiras palavras me enchem a alma de poesia, de orgulho e de motivação. Bj, minha poeta preferida!

Anitha disse...

Meu já tão querido amigo, obrigada! Que emoção e honra saber que você recebeu o meu carinho e os meus votos com a alma tão desnuda...e com esse seu coração que transborda ternuras!
Não tem como, cada vez mais, enxergo em você a grandeza e a doçura das almas afetuosas e gratas!
Beijo