quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

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Crateús, a vida boa e saudável de antigamente


Já era noite quando chegamos a Crateús, por volta das 18h30min. Meus sogros já nos aguardavam no local de sempre, na chamada “Rodoviária dos Pobres”, uma parada antes da rodoviária oficial. Um momento muito esperado: abraços, beijos, a emoção e a alegria do reencontro.
Já no carro, nós atrás e eles na frente, conversamos animadamente no caminho pra casa, sempre atentos ao transito. Aos 88 anos, “seu” Antônio insiste em continuar dirigindo, apesar da insegurança dos neuróticos, da miopia dos insensíveis e da covardia dos chatos de plantão, que se apressam em se agarrar obstinadamente àquele apoio no carro a que chamam de “puta que pariu”, mal entram em seu Fiat Siena azul. Paciência!
(Eu, por princípio, pertenço àquele reduzido grupo de pessoas que são incapazes de dar palpite quando os outros estão dirigindo. Nessa viagem mesmo, por acaso, assisti impassível ao meu cunhado avançar impávido e solenemente - naquela inconsciência perigosa que às vezes se apossa da gente - um sinal vermelho com o Pajero ze-ra-do de sua mulher, na maior moral, buzinando, num cruzamento supermovimentado de Fortaleza, enquanto Sandrinha e a proprietária quase vítima, emudecidas pelo terror e pela incredulidade, se borravam intimamente).
Praticamente nada mudou na casa e na rotina do casal, desde março do ano passado. A posição da mobília, sempre limpa e arrumada, os horários disso e daquilo, os lençóis e toalhas com monograma bordado e suavemente aromatizados, a deliciosa comidinha sertaneja. Aliás, este é um capítulo à parte na pacata rotina dos Cavalcante, donde fazem parte ainda os doces caseiros, a tapioquinha e os queijos, com destaque para os soberbos chefs-d’œuvre de Dona Djanira: a Cabidela de Galinha Caipira, o Pernil de Carneiro Assado com Batatas, a indizível Paçoca de Carne-de-sol e o divino Doce de Jaca. Até já sugeri - com muito tato, evidentemente - que eles coloquem uma balança na copa pra fazer a pesagem dos hóspedes ao chegarem e antes de partirem.
A televisão, com sua programação insidiosa e perigosamente alienante, não faz parte da rotina. A vida pulsa dentro do peito e do lado de fora das paredes. São as cadeiras de embalo, colocadas na calçada todas as noites, depois do jantar, que fazem parte do momento mais esperado do dia. É sentado nelas que se fica por dentro de tudo o que acontece e do que está por acontecer na cidade, que se dá boas gargalhadas e que se é solidário reciprocamente. É na calçada que a vida desfila com naturalidade, na prosa animada com vizinhos e amigos.
A única novidade que percebi, além do parque de diversões que se instala todos os anos nesta época bem em frente à casa deles, na praça, é que agora “seu” Antônio tem apenas que soprar em seu apito novo (comprado exclusivamente para esta finalidade), e levantar a mão para indicar com os dedos o número de “espetinhos-de-gato” que Haroldo, o churrasqueiro, deve trazer do outro lado da rua.
Eles chegam a ficar meses sem ir ao 2º pavimento da casa, onde os quatro quartos, outrora ocupados pelo casal e pelos seis filhos que foram casando, casando, estão hoje praticamente abandonados. A casa foi ficando vazia e cada vez maior com o passar do tempo.
A 354 km da capital, a tranquila Crateús, cidade dos Sertões Cearenses e polo da região centro-oeste, hoje com mais de 72.000 habitantes, já teve muita importância na história política e econômica do Estado. 100% da área de seu Município estão no semiárido, caracterizado por grande variabilidade anual na quantidade de chuvas e balanço hídrico, o que o faz oscilar entre as secas e as enchentes dos rios, que ano transbordam, ano secam. A temperatura varia entre os 20º C e os 35º C.
Um dos impactos mais significativos dessa realidade climática na sociedade tem sido a emigração da população para os grandes centros urbanos. Mais recentemente, os mais jovens também se transferem para a capital, Fortaleza, em busca de emprego e de formação universitária, o que tem contribuído para aumentar a média de idade da população.
Por isso mesmo, Crateús é o lugar ideal para se rever velhos amigos do passado. Isto, se você nasceu e cresceu lá, evidentemente, como Sandrinha. É comovente como os olhos dela brilham e às vezes umedecem de emoção toda vez que reencontra alguém querido, que não via há muito tempo, tal a deliciosa lembrança dos momentos evocados, esquecidos lá na infância, ou na adolescência.
E...o que fazer em Crateús? Bem, além de comer, beber e dormir muito bem, você pode ainda namorar, alugar uma moto pra dar umas voltas, ir pescar, fazer caminhadas,  andar de bicicleta, tomar banho em açudes como o “Realejo” e o “Carnaubal”, cortar o cabelo no Deusin ou mesmo ir a Missa na simpática Igreja do Senhor do Bonfim, mesmo não sendo católico, um ritual vibrante, com cantorias de arrepiar, de tão belas e espontâneas. O lugar é ideal pra quem quer descansar, atualizar a leitura, ouvir música, meditar, relaxar. Que tal? Muito natural?
 A única coisa triste em Crateús é o momento da despedida. Foi onde passei o melhor Natal destes últimos anos. Ficamos seis dias nessa vida mansa, na companhia tranquila deles. E agora acho que foi pouco, muito pouco.

2 Comentários:

Anitha disse...

Daniel, belo rapaz, que prazer vê-lo forte, brejeiro e de alma renovada!!! Que você continue assim por muito, muito, muito tempo...Amém!!!
Abraço afetuoso

VideoGameCafe disse...

Pai,

Adorei o relato sobre Crateús e gostei mais ainda de saber que vc teve um grande Natal ao lado da Sandra e família que tenho certeza são pessoas cordiais e como a gente diz, "gente boa"!

Abs,

Daniel