Já
era noite quando chegamos a Crateús, por volta das 18h30min. Meus sogros já nos
aguardavam no local de sempre, na chamada “Rodoviária dos Pobres”, uma parada
antes da rodoviária oficial. Um momento muito esperado: abraços, beijos, a emoção
e a alegria do reencontro.
Já no carro, nós atrás e
eles na frente, conversamos animadamente no caminho pra casa, sempre atentos ao
transito. Aos 88 anos, “seu” Antônio insiste em continuar dirigindo, apesar da insegurança
dos neuróticos, da miopia dos insensíveis e da covardia dos chatos de plantão,
que se apressam em se agarrar obstinadamente àquele apoio no carro a que chamam
de “puta que pariu”, mal entram em seu Fiat Siena azul. Paciência!
(Eu, por princípio, pertenço
àquele reduzido grupo de pessoas que são incapazes de dar palpite quando os
outros estão dirigindo. Nessa viagem mesmo, por acaso, assisti impassível ao meu
cunhado avançar impávido e solenemente - naquela inconsciência perigosa que às
vezes se apossa da gente - um sinal vermelho com o Pajero ze-ra-do de sua mulher, na maior moral, buzinando, num
cruzamento supermovimentado de Fortaleza, enquanto Sandrinha e a proprietária quase
vítima, emudecidas pelo terror e pela incredulidade, se borravam intimamente).
Praticamente nada mudou na
casa e na rotina do casal, desde março do ano passado. A posição da mobília, sempre
limpa e arrumada, os horários disso e daquilo, os lençóis e toalhas com
monograma bordado e suavemente aromatizados, a deliciosa comidinha sertaneja.
Aliás, este é um capítulo à parte na pacata rotina dos Cavalcante, donde fazem
parte ainda os doces caseiros, a tapioquinha e os queijos, com destaque para os
soberbos chefs-d’œuvre de Dona
Djanira: a Cabidela de Galinha Caipira,
o Pernil de Carneiro Assado com Batatas,
a indizível Paçoca de Carne-de-sol e
o divino Doce de Jaca. Até já sugeri
- com muito tato, evidentemente - que eles coloquem uma balança na copa pra
fazer a pesagem dos hóspedes ao chegarem e antes de partirem.
A televisão, com sua
programação insidiosa e perigosamente alienante, não faz parte da rotina. A
vida pulsa dentro do peito e do lado de fora das paredes. São as cadeiras de
embalo, colocadas na calçada todas as noites, depois do jantar, que fazem parte
do momento mais esperado do dia. É sentado nelas que se fica por dentro de tudo
o que acontece e do que está por acontecer na cidade, que se dá boas gargalhadas
e que se é solidário reciprocamente. É na calçada que a vida desfila com
naturalidade, na prosa animada com vizinhos e amigos.
A única novidade que
percebi, além do parque de diversões que se instala todos os anos nesta época
bem em frente à casa deles, na praça, é que agora “seu” Antônio tem apenas que
soprar em seu apito novo (comprado exclusivamente para esta finalidade), e
levantar a mão para indicar com os dedos o número de “espetinhos-de-gato” que
Haroldo, o churrasqueiro, deve trazer do outro lado da rua.
Eles chegam a ficar meses
sem ir ao 2º pavimento da casa, onde os quatro quartos, outrora ocupados pelo
casal e pelos seis filhos que foram casando, casando, estão hoje praticamente
abandonados. A casa foi ficando vazia e cada vez maior com o passar do tempo.
A 354 km da capital, a tranquila
Crateús, cidade dos Sertões Cearenses e polo da região centro-oeste, hoje com
mais de 72.000 habitantes, já teve muita importância na história política e
econômica do Estado. 100% da área de seu Município estão no semiárido,
caracterizado por grande variabilidade anual na quantidade de chuvas e balanço
hídrico, o que o faz oscilar entre as secas e as enchentes dos rios, que ano
transbordam, ano secam. A temperatura varia entre os 20º C e os 35º C.
Um dos impactos mais
significativos dessa realidade climática na sociedade tem sido a emigração da
população para os grandes centros urbanos. Mais recentemente, os mais jovens
também se transferem para a capital, Fortaleza, em busca de emprego e de
formação universitária, o que tem contribuído para aumentar a média de idade da
população.
Por isso mesmo, Crateús é o
lugar ideal para se rever velhos amigos do passado. Isto, se você nasceu e
cresceu lá, evidentemente, como Sandrinha. É comovente como os olhos dela
brilham e às vezes umedecem de emoção toda vez que reencontra alguém querido,
que não via há muito tempo, tal a deliciosa lembrança dos momentos evocados,
esquecidos lá na infância, ou na adolescência.
E...o que fazer em Crateús?
Bem, além de comer, beber e dormir muito bem, você pode ainda namorar, alugar
uma moto pra dar umas voltas, ir pescar, fazer caminhadas, andar de bicicleta, tomar banho em açudes
como o “Realejo” e o “Carnaubal”, cortar o cabelo no Deusin ou mesmo ir a Missa na simpática Igreja do
Senhor do Bonfim, mesmo não sendo católico, um ritual vibrante, com cantorias
de arrepiar, de tão belas e espontâneas. O lugar é ideal pra quem quer
descansar, atualizar a leitura, ouvir música, meditar, relaxar. Que tal? Muito natural?
A única coisa triste em
Crateús é o momento da despedida. Foi onde passei o melhor Natal destes últimos
anos. Ficamos seis dias nessa vida mansa, na companhia tranquila deles. E agora
acho que foi pouco, muito pouco.
2 Comentários:
Daniel, belo rapaz, que prazer vê-lo forte, brejeiro e de alma renovada!!! Que você continue assim por muito, muito, muito tempo...Amém!!!
Abraço afetuoso
Pai,
Adorei o relato sobre Crateús e gostei mais ainda de saber que vc teve um grande Natal ao lado da Sandra e família que tenho certeza são pessoas cordiais e como a gente diz, "gente boa"!
Abs,
Daniel
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