terça-feira, 29 de maio de 2012

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O essencial é invisível aos olhos. Ou: o rei tá nu, mas liga não!


O transtorno ansioso social, também conhecido como transtorno da ansiedade social, fobia social ou sociofobia, é uma síndrome ansiosa caracterizada pela Associação Psiquiátrica Americana por manifestações de alarme, tensão nervosa e desconforto, desencadeadas pela exposição à avaliação social — o que ocorre quando o portador precisa interagir com outras pessoas, realizar desempenhos sob observação ou participar de atividades sociais. Tudo isso ocorre até o ponto de interferir na maneira de viver de quem a sofre.
As pessoas afetadas por essa patologia compreendem que seus medos são irracionais, no entanto experimentam uma enorme apreensão ao confrontarem situações socialmente temidas e não raramente fazem de tudo para evitá-las. Durante as situações temidas, é frequentemente presente nessas pessoas a sensação de que os outros as estão julgando e, enfim, tais sujeitos não raramente temem ser reputados muito ansiosos, fracos ou estúpidos. Por conta disso, tendem a se isolarem.

Eu, sociófobo crônico desde a infância (chegava a me esconder debaixo da mesa quando chegavam visitas na casa de meus pais), tenho por conta disso muitas vezes sido considerado mal-educado, esquisito ou, no mínimo, irreverente. Se fosse rico, ou poderoso, talvez pudesse ser considerado excêntrico ou original pelos bajuladores. Mas, depois destes anos todos, já me acostumei com isso.

A partir do momento em que o homem resolveu viver em grupos começaram a surgir os conflitos de comunicação, de relacionamento interpessoal.

O comportamento humano sempre foi analisado considerando-se sua infinita subjetividade, mas, sobretudo, pelo padrão comportamental de disposição para a disputa, a concorrência e o enfrentamento diante de diversas situações.

Brigamos pelo afeto, preferência ou atenção de alguém, por uma posição privilegiada dentro de um círculo social ou no local de trabalho. Por poder, posses, prestigio. Delimitamos território como certos animais e brigamos por espaço social, físico e até por comida.

(Um amigo, para comemorar o aniversário de 90 anos de sua mãe, que mora numa pitoresca cidadezinha do sul do Brasil, contratou uma pianista para tocar na recepção. Para seu desespero, quando anunciou que o jantar estava servido - logo após autorizar o inicio do recital - o corre-corre e o alvoroço, o tilintar de louças, copos e talheres, o burburinho entusiasmado abafaram completamente o som das valsas e modinhas).

Embora grande parte das convenções sociais exija algum grau de sacrifício da vontade individual, elas existem por um motivo relevante, e, quebra-las, tanto pode constituir uma das maneiras de se obter satisfação pessoal, como pode acarretar uma ruptura irreparável no delicado tecido das relações sociais e interpessoais.

Não se pode negar que as convenções sociais sejam uma instituição básica para a vida harmoniosa em sociedade. E muitas vezes elas são utilizadas para se mensurar o grau de educação doméstica das pessoas.

Os franceses cultuam isso quase que como uma religião, à qual chamam de politesse. Mas, entre eles, costuma-se “lamber” o prato, com uma fatia de pão, até deixa-lo imaculadamente limpo, após uma refeição, coisa que no Brasil é considerada grosseira. E a expressão “sair à francesa”, empregada por aqui com o sentido de se deixar um ambiente social sem cumprimentar sequer os donos da casa, não tem o menor fundamento no comportamento do povo francês, que considera tal atitude uma imensa grosseria.


Independentemente de sermos cristãos, budistas ou muçulmanos, europeus, orientais ou latino-americanos, pobres ou ricos, estamos todos de certa forma sujeitos aos padrões morais e éticos de comportamento impostos pela vida em sociedade.

Contudo, a meu ver, a importância destas convenções deve se relativizada. Não significa que elas devam ser imutáveis, ditatoriais, e que não possam se adaptar aos novos paradigmas, às diferentes condições de tempo e espaço, ou, simplesmente, às particularidades da individualidade humana, à liberdade de SER em sua complexa infinitude subjetiva. Desde, bem entendido, que estas mudanças não representem perigo maior que apenas decepcionar alguns egos inflados.

Afinal, a unidade indivisível dos grupamentos humanos nada mais é que o próprio homem diante de suas necessidades vitais que se associa a seus semelhantes para tentar melhorar suas relações com a natureza. E assim como a condição e o nível da consciência de cada ser humano evolui, assim também cada sociedade é dinâmica e evolui a partir de origens históricas e condicionamentos culturais diferentes. E o que hoje pode ser recomendável socialmente num determinado contexto, amanhã pode não o ser, como também pode ser considerado bárbaro em outra cultura, em outro momento.

E a imagem social de um homem nem sempre corresponde a sua subjetividade, àquilo que pratica na intimidade. Basta lembrarmo-nos daquele simpático - e irrepreensível socialmente - senhor alemão julgado e condenado por ter mantido relações incestuosas com a filha por mais de três décadas.

Entre vários dos povos do oriente médio, por exemplo, é extremamente elegante se emitir um sonoro arroto como demonstração de aprovação da comida após uma refeição, e até mesmo bater ruidosamente na barriga para provoca-lo. Um colega do trabalho, em visita técnica à China, quase caiu da cadeira com o sonoro ruído inesperado de um pum, digamos assim, “emitido” gentilmente pela bela e insuspeitável chinesa que, em trajes típicos e com uma bandeja de chá, servia os visitantes estrangeiros em uma empresa de mineração. Experimentemos fazer isso aqui no Brasil.

Vivemos em um País complacente com o hábito absurdo de se comparecer com até horas de atraso a compromissos, e deixar a todos esperando - um jantar, por exemplo. “Faz parte da nossa cultura”. Chegamos ao cúmulo de marcar para as 8 horas um evento que gostaríamos que começasse as 9, já contando com esse péssimo hábito arraigado no caráter nacional, mesmo com a precisão do quartzo dos relógios e com a versatilidade que Santos Dumont lhes deu ao atar pela primeira vez um deles ao pulso.

Tentemos agir assim na França ou na Inglaterra e seremos tratados como bárbaros, indignos de sequer sermos levados a sério.

Aqui onde moro é comum receber telefonemas, em casa, de pessoas que, por engano, vão logo perguntando “fulano se encontra?”, sem ao menos se identificarem ou dizerem um simples “bom dia”. Numa dessas já cheguei até a responder: - “Aqui não, mas continue procurando”.

Tenho buscado respeitar o máximo possível as tais convenções sociais, por mais idiotas que algumas possam parecer e possam restringir minhas liberdades individuais. Por exemplo, quase sempre espero que quem me liga tome a iniciativa de encerrar a ligação, procuro me vestir mais ou menos de acordo com a ocasião, só apareço onde fui chamado e não levo “convidados” comigo; evito falar alto em público (hábito deplorável e muito difundido entre nós) e não faço pipi no vaso de plantas. E ainda, coisa que considero de suma importância, respeito a maneira de ser e de viver de cada um.

Só não posso admitir que padrões de comportamento adotados socialmente, tão variáveis em função de fatores flutuantes, possam servir para tiranizar ou angustiar o ser humano, constrange-lo massacrando sua individualidade e sua dignidade para satisfazer à vaidade, ao egocentrismo ou a elevada importância que a maioria das pessoas atribui a si mesmas. Mesmo porque as flores colhidas das atitudes espontâneas e sinceras possuem um perfume muito melhor do que o fétido aroma daquelas cultivadas no rico adubo da hipocrisia – triste subproduto fecal das convenções sociais. E, como todo sociófobo crônico, tenho uma percepção muito apurada em relação a isso, até como mecanismo de defesa.

Hoje, fazendo uma reflexão filosófica sobre essas considerações verifico que, apesar da sociofobia crônica, sempre procurei me conduzir socialmente preferencialmente por meus próprios valores individuais, éticos e morais, e secundariamente pelos valores impostos pelas convenções sociais. Nunca me escravizei a elas. Algo assim como o personagem Michkin no romance “O Idiota”, de Dostoiévski, o sublime príncipe destituído de maldade e ganância em seu caráter, agindo em sua atribulada vida através de uma perspectiva extra-moral, (não confundir com a-moral ou i-moral), circunstância que o desloca socialmente do meio corrompido com o qual ele se relaciona, e o isola.

E assim, mesmo passando muitas vezes por mal-educado, e até doido, nesta perigosa areia movediça das relações sociais, e perante os olhares menos perspicazes e reducionistas, sinto um calorzinho gostoso de realização dentro do peito quando isso acontece, pois acho que tenho sido mais verdadeiro nas minhas atitudes, com a minha consciência, nas minhas relações, menos artificial e, portanto, mais humano.

E ainda – atrevo-me a dizer - mais feliz, apesar de tudo, porque posso confiar plenamente nos poucos, mas verdadeiros amigos, que me aceitam como sou e respeitam a minha sensibilidade, a minha vulnerabilidade social.

Ilustrações modificadas do Googleimages

2 Comentários:

Anônimo disse...

Tenho exatamente as mesmas reações e os mesmos sentimentos, mas não sabia que isso tem até nome. Obrigado por tirar este peso de meus ombros. Acho que muita gente tem esse problema mas não tem essa informação. obrigada

Iza disse...

Daniel não sei se você já percebeu, mas eu também sou assim e acho que até pior do que isso.

Chamou-me a atenção o fato de esconder debaixo da mesa... eu me escondia debaixo da cama. rsrs

Dificilmente as pessoas compreendem meu jeito de ser. Sou gentil mas muito arredia. Uma confusão.