sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

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Uma viagem insólita

Depois de um atraso de uma hora no vôo e de uma noite indormida, chegamos a uma Fortaleza nublada às 06h do dia 20 de dezembro, segunda-feira, sob inacreditáveis 16 graus de temperatura, segundo informação do comandante do avião. Se a temperatura continuasse a cair, acabaria nevando no litoral cearense, em pleno nordeste e em plena alta temporada de verão. Marcos, meu cunhado, estava nos aguardando e seguimos para seu apartamento, no bairro de Fátima, onde estávamos sendo esperados pela família dele. Muita alegria no reencontro.
No dia seguinte a Rodoviária de Fortaleza formigava de passageiros. Nosso ônibus sairia ao meio-dia. O movimento era tão grande que a empresa Princesa dos Inhamuns teve que colocar oito ônibus extras na linha que cobre os 354 km até Crateús.
Já embarcados, Sandrinha se acomodando pra puxar uma soneca durante a viagem de seis horas, eu ainda acomodava a bagagem me preparando pra uma viagem monótona quando ouvi uma voz feminina gritar no italiano mais macarroni que se possa imaginar:
- ... Esigo rispetto, mama mia!! Io sono una turista, una turista in Brasile! Questa è mia figlia, mia figlia, non posso lasciarla qui, porca miséria !!
Olhei pela janela e subitamente me vi transportado para uma cena do filme 8½, de 1963, do diretor italiano Federico Fellini: uma mulher, de pé na entrada do ônibus, parecidíssima com a grotesca, feia e gorda personagem Saraghina, com uma criança no colo, chorando, dirigia-se aos berros ao motorista que recolhia as passagens e argumentava serenamente:
- Mas, minha senhora, a lei diz que tem que ter o documento pra poder viajar com menores...
- Legge?! Io non capisco questa legge, non capisco! È diversa in Italia, porca miseria!!
- Por favor, senhora, entenda, eu tô só tentando fazer meu trabalho, desculpe...
- Sei un stupido, merda, un cretino! Io non capisco, non capisco!!
Depois de mais alguns minutos de insultos aos berros, a paciência do pobre homem se esgotou:
- No capisca é o cacete! não me insulta não e deixe de fulerage, mulé! E fala direito que eu te conheço aqui do Tauá, pô! Não vou me prejudicar por sua causa. Só vai embarcar com a criança porque não tem Juiz de Menor aqui, hoje, e eu tenho coração.
- Andiamo, andiamo tutti quanti! Aspeta la vendetta, cretino!!

Sob os olhares discretos de reprovação dos outros passageiros, atônitos com a situação, a mulher embarcou berrando com a criança chorando no colo, seguida por uma senhora com ar consternado, que depois se descobriu ser sua pobre mãe e, graças ao bom Deus, foi se acomodar lá atrás, bem longe de onde eu estava.
Deste momento em diante a mulher fez de tudo que pôde para que a viagem transcorresse num clima do mais absoluto constrangimento e de revolta contida, pelos demais passageiros, pois não ousávamos intervir no seu modo grosseiro de tratar a filha, ora em português (péssimo), ora em italiano (ridículo). Estressada com os berros da megera, a criança não parava de chorar, tadinha, aturdida com o bizarro festival de arrogância, prepotência e grosserias.
Exasperado com a situação, cheguei até a me imaginar esganando aquele pescoço gordo. Houve ainda um momento em que se ouviu a senhora sua mãe, já desesperada e morta de vergonha, gritar: - Para de berrar com a criança, sua louca! E para de falar esse italiano horrível!
Viajo com freqüência de ônibus em meus deslocamentos a trabalho e nunca tinha visto algo sequer parecido. Lembro-me de que em uma viagem de Belo Horizonte a Diamantina, ao embarcar no ônibus, já lotado, logo de cara deixei cair meu frasco de CKbe, que quebrou e soltei o maior palavrão. Mas logo em seguida corrigi: - ... mas em compensação vai ser a viagem mais cheirosa que já se fez no trecho até hoje! Todos riram e tudo acabou bem.
As capitais e as pequenas cidades turísticas do Nordeste brasileiro vêm sendo invadidas, há décadas, por levas e levas de turistas estrangeiros, principalmente europeus, onde muitos deles, encantados com o paraíso tropical, se estabelecem como proprietários de pousadas, cafés, pizzarias e restaurantes. Muitos acabam casando por conveniência, gosto duvidoso, ou, ainda, descobrem-se casados depois de despertarem da letargia de longos pileques com brasileiras eventualmente, digamos, exóticas, que acabam absorvendo - por meio de algum  tipo de osmose psicológica -, como neste caso, o que há de pior na cultura nacional do maridão. 

De qualqur forma, princípios básicos de educação doméstica, ética e moral são atributos que não têm uma relação direta com a condição sócioeconômica, eles nascem com a gente e os desenvolvemos no processo da educação e  da instrução, que constroem a cultura de cada um.
Felizmente nossa Saraghina ítalo-nordestina desceu do ônibus cerca de duas horas antes de chegarmos ao nosso destino, para alívio geral, e eu pude travar amizade com a pequena e adorável Ana Luiza, a quem eu, brincando, tratava por “mulé”, como é costume na região e, pra minha surpresa, ela encarava isso com a maior naturalidade, com a sabedoria de seus 6, 7 anos de idade.
Em Crateús, “seu” Antônio e Dona Djanira nos aguardavam no lugar de sempre.
Nesta semana que está terminando fiz os exames de controle trimestrais, me consultei com o hematologista e tomei o Mabthera na última quarta-feira. 3ª dose. Como não pudemos determinar se houve alterações nas dimensões do tumor, Dr. Nelson me deu uma requisição para fazer o Pet scan, aquele exame que pode determinar se existe atividade tumoral por emissão de pósitrons, do qual já falamos em posts anteriores.
Procurei pessoalmente aqui em Manaus informações junto ao meu plano de saúde, o Geap, e saí de lá tão esclarecido quanto antes. Dois laboratórios da cidade se uniram e passaram a oferecer o exame apenas para particulares.
Depois de várias ligações interurbanas mal orientadas pelas atendentes do 0800 da Geap, consegui que me dessem o número de uma Ordem de Serviço pela qual me deram um prazo de cinco dias úteis para me ligarem informando onde existe instituição credenciada onde eu possa fazer o tal exame, provavelmente em São Paulo.
Estou aguardando. O prazo encerra na próxima quarta-feira

2 Comentários:

Lilian disse...

Oi querido, aff, que situação mais grotesca a uma pessoa que passou um ano de perrengue e resolver tirar férias...A grosseria, falta de respeito e a soberba também me deixam fora do sério. Assim como essa espera dos planos de saúde, ao que tudo indica o câncer de mama se instalou na outra mama, mas eu preciso de uma core biópsia, que é uma biópsia menos agressiva do que a feita com cirurgia, mas quem disse do plano liberar, e quando liberou pra que urgência né? Afinal não é a mãe deles...Beijos e boa sorte

Anitha disse...

Meu querido, ri demais com essa sua história...e, mais, adorei saber que você está de volta...
Sáude, paz e luz!
Beijos