Não é por acaso que o Estado do Ceará recebe milhões de
turistas por ano, de todos os cantos do mundo. Praias ensolaradas e paisagens encantadoras, gastronomia exuberante, povo acolhedor, artesanato interessante, ritmos sensuais...a lista é imensa.
Estamos com as passagens
compradas. Este ano Sandrinha e eu decidimos passar o Natal com os pais dela em
Crateús, uma cidadezinha tranqüila e ensolarada do Sertão cearense, no Nordeste
brasileiro, onde eles nasceram, cresceram, construíram uma bela história de
vida e onde quase todo mundo se trata pelo primeiro nome. Andar com os dois
pelas ruas é testemunhar um interminável festival de efusivos cumprimentos e
saudações. Todos se conhecem.
Ele, hoje aposentado, foi o
dentista de metade da população. Dona Djanira e Dr. Antônio vivem praticamente como viviam em meados do século passado, mas com as comodidades do
mundo atual. Seguem uma rotina tranqüila, saudável, flexível e eletiva,
quebrada apenas pelas efemérides municipais, pelas eventuais visitas dos filhos e netos ou quando
simplesmente decidem quebrá-la, prá variar. Desfrutam de uma qualidade de vida
muito superior a da maioria daqueles que migram para a capital em busca de “ser alguém na
vida”, diplomas, destaque, certificados, cargos públicos e, paradoxalmente,
acabam se perdendo no anonimato estressante e massificador das grandes cidades.
Mas cearense é assim mesmo,
andarilho. Não se enrola nem perde a parada. Arretado e avesso a formalismos fuleiros
traz no consciente coletivo certa mania de grandeza que ele mesmo é o
primeiro a satirizar. E ele tem muito do que se orgulhar. Chegam a ser
proverbiais o bom-humor e a presença de espírito na cultura riquíssima desse
povo alegre e gozador mesmo diante das adversidades.
Em Crateús até as obrigações
as mais banais têm outro brilho. Ir ao barbeiro, por exemplo. Cortar o cabelo
nunca foi algo propriamente agradável pra mim. Faz parte da rotina dos tais
cuidados estéticos básicos masculinos, coisa que recuperei depois da fase careca do
período da quimioterapia. E foi lá em Crateús, em março, que voltei a
freqüentar o barbeiro. O incrível, o único, o inimitável, o inigualável, o
insuspeitável, ELE, simplesmente - “Deusin”.
Pode até parecer exagero,
mas estou deixando o cabelo crescer desde minha última viagem a Rondônia, em
setembro. Não vejo a hora, imaginem, de chegar dezembro para poder sentar de novo na
velha poltrona de barbeiro do “Deusin”, caba
danado de bom e velho profissional da tesoura da cidade (nos dois
sentidos:real e figurado) e me entregar ao prazer lúdico de ficar só escutando
os causos, a crônica espirituosa dos fatos (que ele “aumenta, mas não inventa”) e dos
personagens populares do cotidiano em Crateús, que ele retrata com um entusiasmo quase
infantil e no mais genuíno dialeto cearês.
Uma verdadeira viagem pelo imaginário nordestino.
E tudo recheado com aquelas deliciosas
expressões burlescas tipo Vaudeville (termo adulterado do francês, “voix de
ville”, voz da cidade) que só a despojada alma cearense cria,
fabula e
pronuncia corretamente, como “mano
véi”(velho
amigo), “vixe!”, “pimbada”, “xoxota”, “gota
serena”, “fuleiro”, “caba”, “macho”, “abestado”, “arretado”, “danado de bom”, “mijar”, “nos
trinques”, “baitola”, “botar boneco” (ser inconveniente), “numsivexe” (não se apresse) e por aí
vai, prá citar só aquelas que estou lembrando agora.
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