A Medicina
já foi considerada, assim como o Magistério, um tipo de sacerdócio. Mas no
mundo mercantilizado de hoje esta máxima já não tem sentido. O médico como todo
mundo precisa sobreviver e pagar suas contas, comer, morar dignamente e ter, na
sua profissão, uma margem que lhe permita progredir e melhorar de vida. O lucro
- no caso do médico, o honorário - é o anabolizante do desenvolvimento numa
sociedade capitalista, como a nossa. O grande problema é, como sempre, a
ganância que leva muitos médicos a uma preocupação demasiada com o pecuniário em
prejuízo da saúde do paciente. Hipócrates, com seu juramento ético, se tivesse
vivido em nossos dias seria talvez considerado um ingênuo, ou um subversivo.
Encontrei neste sábado um
velho amigo que não via há cerca de 6 anos. Conversa vai, conversa vem, me
contou que seu irmão mais novo, de 54 anos, foi submetido há cerca de 6 meses a
uma prostatectomia radical (retirada de toda a próstata) devido a um tumor
maligno. Como conseqüência imediata, ele perdeu a capacidade de ereção e agora
o câncer começa a se espalhar em processo de metástase.
Tanto quanto sei, seu irmão
sempre levou uma vida saudável, sem vícios e, como a maioria dos homens
conscientes nesta faixa etária, consultava o urologista anualmente,
submetendo-se aos exames de caráter preventivo, medição da quantidade de
antígeno prostático, PSA (componente do sêmen), ultrassom transretal e
toque retal.
Ele me disse que o tumor foi
diagnosticado precocemente, pois, segundo os médicos, surgiu exatamente no
intervalo anual entre um exame e outro e então decidiram manter o paciente, por
cerca de dois longos anos apenas em observação, medindo regularmente os índices
de PSA, até finalmente chegarem à conclusão de fazer a cirurgia radical.
Um dos métodos mais
revolucionários na luta contra esta doença é a Braquiterapia de Próstata (do
grego (brachys = curto; terapia = tratamento), técnica que chegou ao Brasil na
década de 1990 e envolve a participação de vários especialistas, numa operação
multidisciplinar com resultados comprovadamente muito eficazes. Seu custo é
alto e ainda não tem cobertura pelo Sistema Único de Saúde (SUS), mas a justiça
brasileira se tem pronunciado favoravelmente na grande maioria das demandas
deste tipo.
Na maioria dos casos, a
Braquiterapia é capaz de evitar a retirada da próstata. Consiste na introdução
de “sementes radioativas” de Iodo-125 no interior da próstata, próximas ao
tumor. O procedimento é feito pelo períneo, com o uso de finas agulhas, guiadas
por uma ecografia transretal. As “sementes” são depositadas dentro da glândula
e lá permanecem definitivamente liberando a dose de radiação necessária para
conter o tumor. A aplicação é um procedimento muito pouco invasivo, não requer
a internação do paciente, que pode ser admitido pela manhã e voltar para casa à
tarde.
Pessoalmente, não tenho tido
experiências muito boas com os médicos amazonenses, e freqüentemente ouço
relatos escabrosos de amigos, parentes e colegas de trabalho insatisfeitos. Em
2002, após semanas de esforços repetitivos que me acarretaram uma séria
inflamação no nervo sinovial e comprometeram temporariamente os movimentos da
minha mão esquerda e dos dedos, tive um cruel e totalmente equivocado
diagnostico de – pasmem! - hanseníase, corroborado por mais seis
dermatologistas de Manaus (inclusive o presidente da Cooperativa dos
Dermatologistas na época), após exames superficiais e pouco determinativos para
um diagnóstico diferencial, e sem que nenhum desses profissionais, em nenhum
momento, me tivesse pedido para tirar a camisa.
O curso superior de medicina
foi implantado aqui com a colaboração de médicos de outros estados, apenas no
ano de 1974, e ainda não transcorreu o tempo de exercício e de experiência
acumulada para o desenvolvimento dialético de um, digamos, caldo substancial e
consistente de cultura médica prática. Some-se a esse quadro todo um modelo
equivocado de ensino superior que não estimula o desenvolvimento da cultura
médica no profissional que, assim, poderia se atualizar e pesquisar em outras
línguas, como em inglês, por exemplo. Na grande maioria, eles se limitam a
utilizar e a reproduzir os conhecimentos muitas vezes mal adquiridos e já
superados nos tempos de aprendizado. Há honrosas exceções, é claro, daqueles
que buscam por seus próprios meios a fuga da mediocridade através da atualização,
do aprimoramento e da especialização.
Até o ano passado, imaginem,
em conversas com médicos aqui de Manaus, alguns sustentavam teimosamente que o
Pet Scan não tinha aplicação na oncologia. Logo em seguida, em junho, a ANS
incluiria sua aplicação no rol de procedimentos obrigatórios por parte dos
Planos de Saúde nos casos de câncer de pulmão e de linfoma. Poderia me estender
muito sobre isso tudo, mas prefiro ficar por aqui.
Apesar das características
do caso do irmão desse meu amigo indicarem o contrário, espero sinceramente que
este não tenha sido mais um irreparável e lamentável equívoco de timming e na
escolha de uma terapia mais moderna e mais adequada, pois a braquiterapia, após
duas décadas, não é algo propriamente novo em nosso país.